A Ace foi fundada em 21 de setembro de 2007. Mesmo nos primeiros passos desta infância já conquistou estas vitórias:


-Concurso Literário Eduardo Campos de Crônicas e Contos, com a participação de 120 autores e entrega do prêmio para os vinte autores com os melhores textos literários.

-Edição do livro Antologia de Contos e Crônicas Eduardo Campos, do referido concurso.

-Lançamento e distribuição do jornal FormAção Literária e do folheto didático Novo Acordo Ortográfico

-Instalação da sede da Ace no Sigrace, para funcionamento da secretária executiva, e auditório climatizado.

-Criação do site www.escritores ace.com.br, com a loja virtual do escritor.

-Participação na 9ª Bienal Internacional do Livro,

-Nomeação de dois associados para o Conselho Estadual de Cultura (CE) e participação efetiva nos Fóruns de Cultura Cearense, entre eles o Flec.

-Implantação da campanha Seus cupons velem livros, com o objetivo de divulgar a literatura cearense através dos escritores da Ace.

-Criação da Coordenação Literária, da Assessoria Literária para os escritores cearenses.

-Criação da Diretoria de Artes Cênicas e do Concurso Literário Rachel de Queiroz de Conto e Poesia.

-No último sábado do mês realizamos um evento cultural- palestra, lançamento de livro, sorteio de livros.


DIRETORIA DA ACE PARA 2012/2013

Presidente de Honra: Haroldo Felinto

Presidente Emérito: Francisco de Assis Almeida Filho

Presidente: Francisco de Assis Clementino Ferreira- Tizim

Vice-presidente: Linda Lemos

1º Vice-presidente: Francisco Bernivaldo Carneiro

1º Secretária: Sonia Nogueira

2º Secretário: Gilson Pontes

1º Tesoureiro: Antônio Paiva Rodrigues

2º Tesoureiro: Abmael Ferreira Martins

Diretor de Eventos: Silas Falcão

Diretores adjuntos de eventos: Eudismar Mendes, Romenik Queiroz, Lúcia Marques, Francisco Diniz, Márcia Lio Magalhães.

Diretor de Artes Cênicas: Aiace Mota

Diretor cultural: Cândido B. C. Neto

Diretora cultural adjunta: Fátima Lemos

Cerimonialista: Nicodemos Napoleão

Coordenador de Literatura: Lucarocas

Coordenador adjunto de Literatura: Ednardo Gadelha, Carlos Roberto Vazconcelos e Ana Neo.

Secretaria de Comunicação e Divulgaçã: José Onofre Lourenço Alves

Secretário Adjuntos: Geraldo Amâncio Pereira, Fernando Paixão, Pedro Cadeira de Araújo


Conselho Consultivo

Presidente: Francisco Muniz Taboza

Vice-presidente: Domingos Pascoal de Melo

1º vice presidente: Elson Damasceno.

Membros Efetivos: D. Edmilson Cruz, Juarez Leitão, Ubiratan Diniz Aguiar, José Moacir Gadelha de Lima, José Rodrigues, João Bosco Barbosa Martins, Pe. Raimundo Frota.

Conselho Fiscal

Presidente: Affonso Taboza

Membros Efetivos: Jeovar Mendes, Rejane Costa Barros, Girão Damasceno, Cícero Modesto.

31 de maio de 2010

PALESTRA SOBRE



Realizada no dia 29/05, no auditório Milton dias, da Ace.

“A minha vida foi uma luta sem tréguas pela verdade. Raros os que me compreenderam.
Nessa amorosa tenda tive inúmeras vezes de combater os presumidos, os viciosos. Não escapei por isso ao dente da inveja, da maledicência: desprezei-o.
Estive sempre ao lado dos fracos, dos oprimidos. Os que por eles senti, reflete-se em meus escritos.
Convivi com o povo, chorei com eles as suas desventuras e cantei as suas glórias.
Quanto mais cultivava o espírito, mais piedade tinha dos desgraçados.
Nunca ri das jogralidades de um bêbado nem das astúcias de um ladrão. Eram infelizes, dignos somente de compaixão. Descobri-me sempre diante da desgraça.”




Obras de Rodolfo Teófilo

Romance

A Fome, 1890
Os Brilhantes, 1895
Paroara, 1899
Maria Ritta, 1897
Memórias de um engrossador, 1912
O reino de Kiato, 1922

Novela

Violação, 1899

Conto

O Cunduru, 1910

Historiografia

Histórias das secas no Ceará, 1877-1880-1883

Secas no Ceará (segunda metade do século XIX), 1901

Libertação do Ceará, 1914

Seca de 1915, 1922

Seca de 1919, 1922

A sedição de Juazeiro, 1922

Ciência

Monografia da Mucunã, 1888

Varíola e vacinação no Ceará, 1904
Varíola e vacinação no Ceará (nos anos de 1905 a 1909), 1910

Crônica e memória

Cenas e tipos, 1919
O caixeiro, 1927
Coberta de Tacos, 1932
Violência, 1905

Didático

Ciências naturais em contos, 1889
Curso Elementar de História Natural, 1889
Botânica Elementar ( em parceria com Garcia redondo), 1907

Crítica Literária

Os meus Zoilos, 1924

Poesia
ira rústica, 1915
Telésias, 1913
Acaso (obra póstuma), 1997


O palestrante, Carlos Roberto Vazconcelos


Eudismar Mendes, lendo a biografia do palestrante

Ednardo, Laudecy, Carlos Aurino, Haroldo Felinto, Silas Falcão, Abmael

Esquerda para direita: Ítalo Rovere e Frederico Régis

Esquerda para direita: Girão Nobre e Bernivaldo Carneiro



Gilson Pontes


27 de maio de 2010



EU E A BIBLIOTECA

Maria Laudécy Ferreira de Carvalho
Pedagoga e cordelista



Eita, que paixão danada
quando a gente quer bem
pois de manhã cedo quer
conviver e se dá bem,
olhar, pegar, sentir, usar
e até se lambuzar
nas coisas que ela tem.

Ela tem perfume de bugarí
tem gosto de querer mais
tem olhos fechados até você abrir
Seu coração pulsa feliz
se as páginas você sentir.

Por isso de manhã bem cedo
cheguei a lhe perguntar:
amiga biblioteca por que que as 7:00 h
aberta você não está?

Passei a noite sonhando
em cedo te encontrar.
E suas mãos apertar
e um abraço poder te dar.
– Ela me respondeu tristonha:
_ É . . . pois é, essa gente não sabe me valorizar
Se fosse por mim meu amor,
Com tantos corações aqui dentro
cedo distribuía o amor.

Agora que me abriram
vem pra cá, me abre lodo danado
Isso sim é ser leitor.

Esse casamento da certo
aqui e aonde for.
Leitor é ser Biblioteca
e biblioteca é ser leitor.
E assim foram,
são e serão felizes para sempre.

26 de maio de 2010

118 ANOS DA PADARIA ESPIRITUAL E LANÇAMENTO DE "DOLENTES"
( 26 e 27 DE MAIO)



Programação Cultural Especial da Biblioteca Pública
Governador Menezes Pimentel comemora:
118 anos da Padaria Espiritual
O aniversário dos Padeiros Adolfo Caminha (29.5) e Rodolfo Teófilo (6.5)


Programação Específica para os dias 26 e 27 de maio:

26.05.2010 (Quarta- Feira)

09h às 21h - Setor de Empréstimo: no empréstimo de um livro o usuário receberá uma poesia dos poetas da Padaria Espiritual.

09h às 21h - Setor de Microfilmagem: Exposição das primeiras páginas d’ O Pão.
09h às 21h - Setor de Obras Raras: Exposição das obras de escritores integrantes da Padaria Espiritual.

09 às 21h - Setor do Ceará: Exposição das obras de Rodolfo Teófilo e Adolfo Caminha

14h - Setor Infantil: Contação de História “A aventura do livro” com Nádia Aguiar

15h às 17h – Auditório do Dragão do Mar: Seminário Padaria Espiritual:
“Rodolfo Teófilo ou Adolfo Caminha” com os palestrantes Carlos Roberto Vazconcelos e Carlos Eduardo Bezerra.

27.05.2010 (Quinta-feira)

09h às 21h - Setor de Empréstimo: no empréstimo de um livro o usuário receberá uma poesia dos poetas da Padaria Espiritual.

09h às 21h - Setor de Microfilmagem: Exposição das primeiras páginas d’ O Pão.

09h às 21h-Setor de Obras Raras: Exposição das obras de escritores integrantes da Padaria Espiritual.

09 às 21h - Setor do Ceará: Exposição das obras de Rodolfo Teófilo e Adolfo Caminha

14h - Setor Infantil: Contação de História “A aventura do livro” com Nádia Aguiar

19h – Auditório do Dragão do Mar: Seminário Padaria Espiritual:
“A Padaria Espiritual”, palestra de Sânzio de Azevedo, e, logo após, coffee break e lançamento da reimpressão da 3ª edição [revista e atualizada] de Dolentes, de Lívio Barreto (1870-1895) — nascido há 140 anos —, obra maior do Simbolismo Cearense, publicada, em primeira edição (1897), pela “Bibliotheca da Padaria Espiritual”.


Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel
Av. Presidente Castelo Branco, 255, Centro
Fone: (85) 3101.2548 (Raquel Lima)
Informações e sugestões: bibliotecacultural@secult.ce.gov.br

Realização: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará e
Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel
Promoção: Associação dos Bibliotecários do Ceará



FONTE :raymundo-netto.blogspot.com
Pensamos d
Sentimos m
Que de máqndade e terura
Recital Poético da ACE e convidados, no Shoping Benfica.


Frederico Régis
Gilson Pontes

Silas Falcão, anunciando os eventos da ACE.


Sonia Nogueira


Marina Fernandes

Haroldo Felinto

AS- Airton Soares






24 de maio de 2010

LANÇAMENTO DO LIVRO CONTOS MATUTOS, DE HAROLDO FELINTO



19 de maio de 2010


Haroldo Felinto e Vera Ferreira, neta do Lampião


A História do Lampião

Virgolino Ferreira da Silva –O Lampião- foi sem dúvida o cangaceiro mais afamado no Nordeste e no Brasil. Nasceu no dia 07 de julho de 1897, registrado no cartório civil de Tauapinanga, São João do Barro Vermelho, distrito rural de Serra Talhada, Pernambuco. O primeiro filho do pai de Lampião, Antonio Ferreira, era meio irmão dos outros, pois à mãe de Lampião, antes de casar-se com José Ferreira da Silva - (pai de Lampião), engravidou de um rapaz da importante família Nogueira, detentora de riqueza e valentia, que a deixou desamparada. Conhecedor do acontecido e nutrindo uma verdadeira simpatia por aquela jovem, José Ferreira, que trabalhava como tropeiro (almocreve) e sempre que vinha à vila, fazendo o roteiro Ceará - Alagoas - Bahia - Pernambuco, não deixava de admirar aquela moça. Sabedor do desprezo do jovem com relação à Maria Lopes de Lima - mãe de Lampião- resolveu pedir-lhe em casamento e assumir a paternidade do filho dela, tendo sido aceito. O sogro, preocupado com o futuro do casal, deu-lhe uma faixa de terra - o Sítio Passagem das Pedras. A família vivia da agricultura, do criatório de bode e almocreve. Virgolino foi o terceiro filho do casal.


Virgolino se destacava muito dos outros irmãos, por ser ágil, inteligente, pegava boi nas caatingas, trabalhava como almocreve com o pai e os irmãos, andava de feira em feira, fazia bons negócios. Excelente tocador de sanfona em toda redondeza, Virgolino era poeta e no repente desafiava os melhores repentistas da região. Artesanalmente e com detalhes impecáveis fazia arreios de couro, gibão, perneira, peitoral, chibata, luvas, cartucheiras, alforges, selas, muito apreciados naquela época. Na roça e na venda de mercadorias não tinha outro igual.


Os Ferreira tinham bons relacionamentos, se divertiam em grupos familiares e se solidarizavam com os amigos. Era uma família unida e hospitaleira. José Ferreira da Silva e Maria Lopes de Lima tiveram nove filhos: Antonio Ferreira, Livino, Virgolino, João Ferreira, Ezequiel, Angélica, Anália, Virtuosa e Maria Ferreira.


Brevemente vocês assistirão minhas palestras sobre a longa e versátil história do Lampião e seu bando de asseclas.

OBS: Vários biógrafos desconheceram ou não consideraram que no cartório civil de Tauapinanga, Lampião está registrado como VirgOlino, e não VirgUlino.

Haroldo Felinto - poeta/escritor.
PARTICIPE!

18 de maio de 2010


AIRTON MONTE

O CADEIRA VOADORA


Hoje, fui acordado bem cedo por um telefonema de um amigo me informando, ainda com a voz trêmula e chorosa, que Cláudio Pereira havia morrido. Desliguei o telefone e a princípio veio-me uma sensação de não acreditar que o Pereira tinha partido desta para pior. Eu sinceramente acreditava que o Cadeira Voadora era realmente imortal. Afinal, ele já havia vencido tantas batalhas contra a morte durante todos esses anos que, para mim, já se tornara um acontecimento normal o Pereira passar uns dias em estado crítico e sair do hospital lépido e fagueiro como se nada houvesse acontecido.
Só depois que o jornal me ligou me pedindo algumas palavras sobre o Cláudio para a edição de uma matéria especial, é que vim acreditar que realmente ele já não estava mais entre nós. Desliguei o telefone prenhe de uma tristeza tão grande e com os olhos plenos de lágrimas copiosas e amargas. E pensei seriamente que a nossa turma estava indo embora um a um. Lembrei na mesma hora de Stélio Vale, de Carlos Paiva, Luciano Miranda, Augusto Pontes e agora foi a vez do Cláudio, sem falar que em janeiro deste ano quase que um câncer apressa a minha hora de também partir para a Terra do Nunca e escapei por um triz.
Eu conhecia o Cadeira Voadora há mais de trinta anos, quando Fortaleza era uma eterna festa e a casa do Pereira na Avenida Beira Mar tornou-se naturalmente o centro dessa festa que, para nós, parecia que jamais chegaria ao fim. O que posso, em um dia de despedida como hoje, escrever sobre o Pereira enquanto a noite estende seu manto negro sobre mim? Primeiro, que perdi um grande amigo e que esta cidade perdeu um ícone insubstituível da mais pura e verdadeira molecagem cearense. Um sujeito que sempre foi o centro da alegria de todas as rodas boêmias que ele enfeitava com a sua inseparável cadeira de rodas.
Pereira tinha a alma de um animador cultural e foram poucos os movimentos artísticos em que ele não deu o ar de sua graça, tanto fazia se ocupava cargos públicos ou não. Teve coluna de jornal, inventou eventos divertidos como a Garota Cultural, A queda da Bastilha, foi fiel ao Partidão até o fim. Por ser paraplégico, a maioria dos amigos mais íntimos costumava chamá-lo pelo carinhoso apelido de "Aleijado", porque sabiam que seu incomparável senso de humor levava tudo na esculhambação. Pois é, todos nós perdemos um amigo e Fortaleza perdeu um de seus filhos mais ilustres. Adeus, amigo. Ou quem sabe, até breve. Espero que seu enterro não seja triste, porque você era o símbolo da alegria.

14 de maio de 2010



ANA MIRANDA

RABECAS SERTANEJAS

Andava por aqui, fazendo serviços de eletricidade, o senhor Xavier, e entre uma conversa e outra ele acabou me contando que era rabequeiro. Homem magro, de cabelos brancos, olhos fundos e descorados, meio quixotesco, mostrava uma disposição e leveza para a vida que pareciam vir da música, ou, quem sabe, o espírito musical tenha sido inspirado por uma natural alegria. É um milagre do isolamento sertanejo que ainda existam rabequeiros. Em Portugal, não há mais, e as rabecas vieram de lá, com os primeiros colonos nas caravelas, tangendo seus sofrimentos sobre as ondas do oceano. Mas, aqui, rabequeiros estão por todo lado, como um secreto tesouro da história de nossa música e de um passado sentimental. Vi, num maravilhoso livro de Gilmar de Carvalho, Rabecas do Ceará, um levantamento feito há poucos anos em nossos sertões, perto de cem desses instrumentistas, e cada um deles cita um bocado de outros. Lindas fotos, comoventes depoimentos. As falas de cada rabequista são transportadoras de um mundo de muita dignidade e rudeza, que respeita uma moral de origem, e a compostura, mostrando-se num palavreado meigo e ancestral: zuadinha, entonce, fui eu que instruciei um martelo agalopado de oito linhas... Chiquim pegue o violim pra eu descansar meus dedos! Chico Ferreira, feitor de violino, O bichim tem que ser toadista mesmo, Tá aqui a rabeca é sua, você tem cuidado, porque isso aqui ensina tudo, o que é bom e o que não presta.

As histórias da vida desses rabequistas se parecem, quase todos são lavradores, quase todos eram meninos quando começaram a tocar, quase todos aprenderam sozinhos, ao ouvirem outro rabequeiro e sentirem o chamado da vocação. Uma latinha de pólva, um braço de madeira... "Só porque eu vi os outros por ali e eu aprendi a afinar a rabeca e ela ali ensina a gente, né". Eles fazem o próprio instrumento. Conseguem com outro músico o molde, escolhem a madeira a seu gosto e critério, uns preferem raiz de juazeiro, outros, umburana de espinho, ou inharé, e compensado para o texto, pescoço de pau-d-arco, rabequinha de buriti, raiz de pau de timbaúba, cedro de lei talhado com uma faca velha, ou rabecas de folha de flandres, de bambu... Montam, colam, pregam, pintam, acabam, botam as quatro cordas, fazem o arco, estendem a crina, untam com breu. As histórias que eles contam da primeira rabeca são de cortar o coração, "O violino que recebi foi este. Que ele me prometeu, e depois da morte, o menino veio deixar". Ou o pai que descobriu o filho tocando escondido no mato e o surrou com chicote. Mas, um dia, depois de muita vontade e sonhos, apoiam o arrabil no peito e vão aprender o mais difícil, que é a afinação, em quintas, sol ré lá mi. Cada rabeca tem um jeito, um material, e um som. Todas são únicas. São difíceis de tocar, pois não há travejamento para marcar o lugar da nota. "As notas invisíveis quem faz é a cabeça da gente". Aprendem sem be-a-bá, "Com pouca hora tava encontrando o toque". Depois, vão conhecer quebra de tom. Saem a tocar o xote, a valsa, mazurca, o choro mole, baião, samba, as musgas do Gonzaga... "Na hora eu tocava um quinado, hum, eu fazia a rabeca falar". Uns compõem músicas, "Eu tiro uma música até duma música dum passarinho". Tocavam nas latadas, nos reisados, em casamentos ou leilões, nas brincadeiras, em Casimiro coco... Romances de apartação, lendas, versos satíricos... Eram muito requisitados, mas pagos na maior parte com uns goles de cana. "Naquele tempo, era promessa e o tocador tocava a noite inteira, até o sol nascer... Nove jornadas..." Um dia chegou a sanfona, a grande sanfona de Gonzaga, respeitáveis oito baixos, de som amplo e sem o plangente escorrido das cordas tensas. Muitos desses rabequeiros largaram o instrumento, não têm mais onde tocar, outros só tocam nos templos protestantes. "Aí foi caindo, caindo, caindo, pronto. Ninguém quis mais"."Ninguém mais sabe nem se o tocador é bom".
Nunca tive a oportunidade de ouvir a rabeca de seu Xavier, mas escutei outros rabequistas, e adoro o som rude, quase arranhado, o toque rascante, sentido e tristonho, que carrega uma melancolia moura, assim como os sons medievais que faziam os dançarinos saltarem, ou os sentimentos das poesias seguidas pelos menestréis. Um som lunar, um violino ancestral e desobediente, que prefere as pancadas do braço, o ritmo, o som rasgado, e se reinventa na criação constante da sensibilidade sertaneja. As lágrimas dos descendentes do antigo rabab carregam o orgulho de uma sabedoria distinta.

12 de maio de 2010

A HORA E O RISCO

O zíper contornou a mala, uma aliança rolou sobre a mesa de cabeceira, até ecoar no mármore.

Sem se despedir, transpôs o jardim, entre roseiras e pétalas e espinhos e botões ainda se abrindo. Bateu o portão e saiu a pensar na vida, no tempo e no que podia tirar disso tudo.

O portão permaneceria fechado.

Tudo o que podia fazer era ficar em paz com o passado e, com este, arriscar-se a aprender.


Ednardo Gadelha.
Membro da ACE e do Abraço Literário/SESC.
Texto do livro
Os calos da mulher redonda (em construção).
O Projeto “Era uma vez. Agora e sempre!” é um programa da Alfândega do Porto de Fortaleza (ALF/FOR) para intensificar a humanização das relações de trabalho, porque acredita na boa vontade das pessoas e sua vocação para o bem.

De forma simples, todos terão acesso a fábulas, metáforas, citações ou textos que permitam a cada colega inspirar-se sobre aspectos essenciais da vida pessoal e em sociedade.

O ritmo cotidiano nas grandes cidades, por muitas razões, seqüestra o tempo necessário à paz interior. As organizações costumam negligenciar, pela omissão ou indiferença, sua responsabilidade de animar a pulsação do bem, tanto quanto possível, para desenvolver um ambiente organizacional feliz e solidário; conseqüentemente, mais salutar.

A leitura (excelente hábito) é uma espécie de janela onde nos debruçamos para mirar o mundo. Assim podemos compreender melhor, a nós mesmos, aos outros, quando o texto nos transmite verdades universais das suas profundezas.

A “moral da história” não funciona apenas como janela, mas porta de entrada daqueles que, quando avançam história adentro, nela se identificam.

A sensibilidade das “histórias” tem enorme força atrativa, tornando-se um potente recurso para difusão das idéias que consagram o bem comum e os valores que promovem o respeito à dignidade da pessoa humana.

PROJETO "ERA UMA VEZ. AGORA E SEMPRE!"
METÁFORAS DA VIDA.

Naquela manhã de agosto o sol brilhava fortemente e havia um remoinho que muito atrapalhava o voo dos gansos. Por isso eles voavam em formação "V", aumentando, assim, em 71% o aproveitamento de suas asas contra o atrito do ar.

Esse hábito de voar assim fora passado de geração em geração e servia também para dar segurança e coesão ao grupo.

Sempre que um ganso sai da formação, sente subitamente a resistência por tentar voar sozinho. Rapidamente, volta para a formação, aproveitando a aspiração da ave imediatamente à sua frente.

Quando o ganso líder se cansa, muda para trás na formação e, imediatamente, um outro ganso assume o lugar, voando para a posição de ponta. Os gansos de trás, na formação, grasnam para incentivar e encorajar os da frente e aumentar a velocidade.

Quando um ganso fica doente, ferido, ou é abatido, dois gansos saem da formação e seguem-no para ajudá-lo e protegê-lo. Ficam com ele até que esteja apto a voar de novo ou morra. Só assim, eles voltam ao procedimento normal, com outra formação, ou vão atrás de um outro bando.



* Essa parábola nos ensina algumas lições sobre o voo dos gansos em formação "V". Podemos ficar curiosos quanto às razões pelas quais eles escolhem voar desta forma. Veja, a seguir, algumas descobertas interessantes feitas pelos cientistas:
1º Fato
À medida que cada ave bate suas asas, ela cria um “vácuo” que serve de sustentação para a ave seguinte. Voando em formação V, o grupo inteiro consegue voar com pelo menos 71% a mais de aproveitamento do que se cada ave voasse isoladamente.
Verdade Pessoas que compartilham um objeto comum com o sentido de equipe chegam ao seu destino mais depressa e mais facilmente do que se o fizessem sozinhas, porque elas se apóiam na confiança e na solidariedade das outras.

2º FatoSempre que um dos gansos sai da formação, ele repentinamente sente a resistência do ar e o atrito ao tentar voar só, rapidamente, retorna à formação para tirar vantagem do poder de sustentação da ave imediatamente à sua frente.
Verdade Existe mais força, segurança e coesão em grupo, quando pessoas, que vão na mesma direção compartilham seu objetivo comum do que, quando atuam isoladamente.

3º FatoQuando o ganso líder se cansa, ele se muda para trás da formação, enquanto a ave seguinte assume a liderança, num perfeito revezamento.
Verdade O revezamento é extremamente vantajoso quando se tem um trabalho árduo e mesmo os líderes devem se revezar.

4º FatoOs gansos de trás grasnam para encorajar os da frente a manterem o ritmo e a velocidade.
Verdade Cada integrante da equipe necessita ser reforçado com apoio ativo e encorajamento, para que o ritmo do trabalho não seja quebrado, atingindo-se o objetivo comum mais rapidamente, e todos saem ganhando.

5º FatoQuando um ganso adoece ou se fere, deixa o grupo, dois outros gansos saem da formação e seguem para ajudar e proteger. Eles o acompanham até a solução do problema, então os três reiniciam a jornada ou se juntam à outra formação, até que encontrem seu grupo original.

Verdade
É preciso ser solidário. Não só nas palavras, mas principalmente nos atos.
Por João Bosco Barbosa Martins

7 de maio de 2010

DEUS

Sonia Nogueira


Oh, Deus, da Divina criação
Os teus mistérios fogem a mim
Sou tão pequenina e num refrão
Peço uma rosa em cada jardim

Que exale no ar o meso aroma
Abra a porta que não tem chave
Multiplique, divida, e na soma
Una irmãos, derrube entraves

Não sei explicar com tal dimensão
O mal com tanta força e poder
O bem no contrapeso e ação
Numa luta corpo a corpo a crer

As águas lavando a terra bruta
O grito sem proteção, conflito
O olho da natureza, que astuta
Domina para equilíbrio contrito

Dá-me sabedoria, eu nada sei
O homem cria, inventa, escreve
Às vezes rio, do dilema lei
Convincente pra tudo prescreve

De tão imenso a força universo
Que as letras somem na multidão
Como reles pontos em reverso
Cabisbaixo, Deus rir da ilusão

6 de maio de 2010

CONVITE

PERCURSOS URBANOS (Centro Cultural BNB)

"O Fantástico na Literatura Cearense"

Sábado: 8/5/10

Saída: 15h (Chegar no mínimo meia hora antes)

Local da saída: BNB (Centro) Rua Floriano Peixoto, esquina com Pedro I.

Paradas na Sé, ruínas da Igreja Sta. Edwirges, Cemitério S. João Batista e casario da Pe. Mororó.

De arrepiar!

Durante o percurso, degustaremos poemas e contos fantásticos de escritores cearenses:Barbosa de Freitas, Pe. Antº Tomás, Lívio Barreto, Otacílio de Azevedo, Jáder de Carvalho, José Alcides Pinto, Sânzio de Azevedo, Batista de Lima, Carlos Nóbrega, Poeta de Meia-Tigela, Pedro Salgueiro, Carlos Vazconcelos e muitos outros.

"Sombras da noite eterna, horríveis sombras!
O que buscais em torno do meu leito?!
Vireis trazer-me o bálsamo da vida,
Ou alentar a esperança no meu peito?
Sombras da noite eterna, horríveis sombras!"

BARBOSA DE FREITAS



SENTIDOS

Carlos Mourão


Sen(ti)do.
Sem ti, dó.
Sendo ti.
Sendo-te, acendo-me.
Acendendo-me em ti, nessa embolada de eu, tu, te, ti e um nós distante.
Um ti que se aparta do eu que não é mais eu quando um pouco de ti passa.
Eu e um tu que sem nós é só singular. Vamos fazer plural?
Nada con-ti-do. Só com ti e sem dó.
Contigo. Comigo. Pluraleando os nossos pronomes.
Pluraleia conosco?

5 de maio de 2010

DESCOBERTA

Frederico Régis


Um dia, quando eu estiver
No fim do mundo
Quero estar ao teu lado

Nessa hora, teu rosto já marcado revelará
Nos olhos
O mesmo amor
Que me acompanhou

Lá, no fim,
Na precariedade e no desamparo
Será tua presença
O refúgio e o preparo

Na hora insólita
De tudo se acabar
Estarei, por dentro, repleto

Pois contigo

Tudo tem um sentido
INETERNIDADE ou qualquer coisa

Ednardo Gadelha

As borboletas deveriam ser eternas, assim, como muitas outras coisas do mundo- mundo que imaginamos existir. Amar, também, bem poderia ser eterno… eu, aqui, escrevendo, ousado, queria ser eterno, um momento infinito..Mas penso que essa ineternidade da “vida” com todos os seus “valores” é que a torna dádiva (divina?). Seria o que faz com que cada dia descortine-se dia – até mesmo alegre – seja de sol ou chuva; chuva ou sol? Ou o eu faz com que noite opós noite abrande-se noite, em si mesma?..Aliás, penso que eu pensara assim… É, eu pensara quase assim!.Eu lia o mundo mais ou menos assim. No entanto, hoje, digo que as borboletas bem deveriam ser eternas, e nem me sinto tão paradoxal.

Poeta Ítalo Rovere


O poder da palavra

E a palavra do poder

O poder da palavra do poder

Pára o poder da palavra

Pára palavra do poder!

Para poder, palavra pára!

O poder pára palavras?

O poder da palavra pára o poder

O poder da palavra para poder parar a palavra do poder

Para palavras de poder

O poder da palavra pára!


Jonh Lennon
Poeta cearense


DA METÁFORA E DO SALÁRIO

Todo poeta é um trabalhador,
bate ponto,bate ponto,bate ponto
ponto final.
todo trabalhador é um poeta
bate um ponto,dois pontos,três pontos
reticências

ponto final.
um sobrevive de metáforas
outro sobrevive de salários.






A ESPERA


Carla de Castro


Há muito ela vive a esperar,
No quarto, na janela a espreitar,
A porta jamais irá fechar.

As horas se despedem com penar,
A ansiedade a quer devorar,
Enquanto insiste em acreditar.

A brisa sopra a lhe acalentar,
As lágrimas não consegue segurar,
Até quando irá suportar?

A espera irá retardar!


MÁRIO GOMES – POETA, SANTO E BANDIDO CEARENSE



Conheci o poeta cearense Mário Gomes, andando pelas ruas de Fortaleza como um mendigo embriagado. Essa é a vida que leva desde muito tempo. Segundo Márcio Catunda – autor de uma biografia do poeta – Mário Gomes é uma espécie de um édipo bêbado a perambular pelas ruas da cidade. Seu compromisso radical é com a máxima liberdade possível. No entanto, o poeta pagou caro por isso: Foi submetido a quase todos os métodos de tortura e violência. No hospício de Parangaba, levou 12 choques elétricos aos 20 anos de idade. Nessa época de viagens, prisões, recolhimentos em manicômios já começara a se tornar o boêmio da Praça do Ferreira e começava a escrever seus primeiros poemas. Aos 60 anos de idade, o poeta é lenda viva de Fortaleza. Dizem que pirou de vez depois da morte da mãe. Na mesa do bar do Dragão do Mar resmungava que todo artista tem que ser louco… Quem o me apresentou foi Ary Scherlock que destaca a poesia abaixo dentro da obra antropofágica de Mário Gomes




AÇÃO GIGANTESCA


Beijei a boca da noite
E engoli milhões de estrelas.
Fiquei iluminado.
Bebi toda a água do oceano.
Devorei as florestas.
A Humanidade ajoelhou-se aos meus pés,
Pensando que era a hora do Juízo Final.
Apertei, com as mãos, a terra,
Derretendo-a.
As aves em sua totalidade,
Voaram para o Além.
Os animais caíram do abismo espacial.
Dei uma gargalhada cínica
E fui descansar na primeira nuvem
Que passava naquele dia
Em que o sol me olhava assustadoramente.
Fui dormir o sono da eternidade.
E me acordei mil anos depois,
Por detrás do Universo.

Pedro Salgueiro


O olhar

Quem me conhece bem sabe que eu tenho uma obsessão pelo olhar. E vivo dizendo que o olho é o caminho mais curto da alma para tudo que está aqui fora, no mundo vivido; mas nem sempre foi assim — houve um tempo em que ele significava o mesmo que o olfato, o gosto e outros sentidos vulgares.
E se hoje não consigo mais olhar alguém nos olhos, não é por fraqueza... essa covardia comum a qualquer indivíduo medroso, e sim uma espécie de medo que me consome desde a juventude.
Descobri o poder de um olhar no dia mais infeliz da minha vida. Explico: desde a mocidade eu planejava uma vingança contra um sujeito que bateu no rosto de meu pai, em meio a uma discussão besta, por causa de não sei que teima. Era uma tarde morta, triste — daquelas em que os únicos barulhos ouvidos eram os gritos de crianças, vindos com o vento de um bairro distante. Lembro como fosse hoje, no entanto já se passaram setenta anos desde aquela tarde.
Começaram conversando baixo, depois as vozes foram aumentando, até silenciarem com um tabefe seco, que meu pai engoliu fundo, baixou a vista, apanhou o chapéu do chão... e eu fui seguindo seus passos de longe (nunca o caminho de nossa casa fora tão longo): desde este dia nunca mais foi o mesmo, e até o último instante de sua vida ele jamais haveria de levantar a vista — morreu com os olhos baixos, como se fosse (desde aquela maldita tarde) indigno de olhar os outros nos olhos.
No dia de sua morte jurei para mim mesmo que o responsável por tudo aquilo pagaria com a vida pelo que fizera. Planejei durante muito tempo, teria de ser uma ocasião singular; não poderia acontecer rápido, exigir a uma ocasião especial. Levei quarenta anos estudando a situação, e por várias vezes estive lado a lado com ele, só eu o conhecendo; vezes houve em que trocamos algumas palavras; depois o perdi de vista por quase dez anos. Eu não tinha pressa, estava certo de que logo ele estaria em minhas mão, inevitavelmente.
Um dia eu soube através de um tio que continuava residindo no vilarejo de minha infância que o meu desafeto regressara para passar os últimos dias de sua velhice na terra natal. Havia chegado a hora, não poderia deixar para depois, era agora ou nunca. Convenci minha esposa e os filhos já rapazes de que precisava ir ajudar a família em uma questão de terras, mas que logo estaria de volta a casa.
Cheguei pela manhã, no primeiro trem — e foi como se a vida toda desfilasse em minha mente, as idéias tornavam—se confusas: o passado e o presente se misturavam como se fosse em um sonho. Passei o resto da manhã meio perdido, não conseguia reconhecer ninguém. Da janela da hospedaria fiquei esperando a saída dele para um passeio, e que fosse à tarde, do jeitinho de outrora.
Quando ele despontou na esquina da farmácia já era boquinha da noite. Eu me aproximei: olhei-o nos olhos, bem fundo, puxei vagarosamente a faca e, quando notei que o seu olhar me reconhecia (tive certeza disso), afundei-a toda em seu peito, depois outra e mais outra. Da surpresa inicial de seus olhos passou para não mais reagir tentando se proteger com as mãos, agora aceitava tudo parado a me olhar tristemente - as feições de surpresa e dor deram lugar a uma calma superior, quase arrogante. Olhou-me bem fundo. Neste instante meu braço jazia parado no ar, um último golpe inútil fora contido por aqueles olhos. E o que vi em seguida, teria preferido a morte, um simples olhar sereno, mais forte que toda a minha raiva guardada, um único olhar que eu jamais vira em toda a minha vida, um olhar de quem não estava mais neste mundo, um olhar que (com certeza) nunca mais me dará paz nesta vida. Fugi como o diabo foge da cruz, depois me apresentei com advogado e cumpro (em parte devido à idade) a pena em domicílio; porém sinto que já não vivo depois daquele olhar. E desde aquele dia não levanto a vista, pois não sou mais digno de olhar para mais ninguém neste mundo.


Mirtes Waleska Sulpino


Um dia saio de mim
De minha casa,
Do meu casulo.
E desenho,
- com poesia -
Borboletras no céu.



A LOUCA

Gustavo Barroso

O velho Domingos Lopes partira, ao cair da noite, da quase abandonada vila de Pentecostes. Cansado de lutar contra a seca daquele ano fatal, que vorazmente devastara as humildes ribeiras sertanejas, tendo visto tombar de inanição sobre o solo estorricado a derradeira vaca da fazenda onde trabalhava, resolvera fugir do povoado sequioso e faminto, rumando para o litoral. Daí o conduziria o destino aos igarapés doentios do Norte, ou às fazendas de terra roxa do Sul. Encarava a alternativa com indiferença. Sua brônzea alma de sertanejo de nada se arreceava. Seria o que tivesse de ser. Gastara cinqüenta e muitos anos de vida naqueles cafundós, a mourejar na lavoura e na criação, de enxada em punho ao sol quente das baixadas, encourado e a cavalo no recesso espinhento dos carrascais, e de viola na mão, ao luar maravilhoso, nos terreiros poentos em que fervilhavam os sambas. Bastava, para ter coragem, pensar que nascera na terra onde "desgraça pouca é bobagem", ou é "tiquinho", e só se pesa a infelicidade de "arroba p’ra riba"!
Afastando‑se de Pentecostes, caminhara a noite inteira, com a velha lazarina carregada de balas de chumbo ao ombro, o chapéu de couro deitado para a nuca e o barbicacho a vincar‑lhe o pescoço. Seu passo igual e seguro ressoou pelo caminho ermo, entre as catingas desfolhadas, num silêncio imenso que nem o grito dos animais bravios cortava mais. Silêncio de cemitério! O luar esverdinhado escorria pelo tronco dos arvoredos esqueléticos, prateava o pátio limpo das fazendas abandonadas, onde se não ouviam mais ladros de cães. Nas proximidades dos currais desertos e dos bebedouros chupados, alumiavam ossadas de reses e talvez de gente. E, sobre a vasta desolação e o vasto silêncio, a cúpula alta do céu indiferente, que o luar fazia translúcida, e de cuja diafaneidade a lua pálida deixava correr para o sertão morto as lágrimas da sua luz misteriosa e fúnebre.
Caminhando sem parar, o velho sertanejo pensava em como seriam as terras para onde ia sozinho e miserável, terras que nunca vira, porque nunca sairá de sua ribeira agreste, cuja descrição nunca lera, porque não sabia ler. Como seriam, em verdade, a capital do Forte, o mar, o vapor "os Almazonas", ou os cafezais sulinos? Baixava a cabeça, suspirava, passava a mão calosa pelos duros cabelos grisalhos empoeirados, "maginando" nos horrores da seca, que acabava com tudo ‑ plantas, gados e gentes, no seu pobre sertão! Os olhos umedeciam‑se com saudade dos tempos felizes, quando andava coberto de couro de capoeiro, atrás dos barbatões e novilhos fugidos, ou quando cantava a desafio nas vendas das encruzilhadas.
Ao amanhecer, longe, a Serra do Gigante banhava‑se no oiro pulverizado do sol. Pedregulhos micantes reluziam, como embutidos de gemas, entre a garrancheira do mato, à beira do leito seco dum córrego. O vento leve erguia rente ao solo torturado ligeiras espirais de pó negro. De onde em onde, por cima do bracejar dos galhos escuros e pelados, surgia, qual um oásis no deserto, a copa valente dum juazeiro, quase murcha, verde‑cinza! E as palmas das carnaubeiras, esparsas em pequenos grupos pelas varjotas, gemiam baixinho, doloridamente.
O velho caboclo parou num ponto mais alto da estrada e percorreu com o triste olhar a paisagem, morta. Depois, fixou a vista aguda, meio quilômetro adiante, numa fachada singela de casa, que branquejava à luz. Sobre as telhas rubras do teto pousavam urubutingas e camirangas. Ondeava no ar um revôo de aves negras. O Domingos Lopes, cheio de curiosidade, apressou o passo naquela direção. Perto da casinhola, um aflato de podridão obrigou‑o a tapar as narinas. Apesar disso, avançou e gritou, junto à porta, que estava fechada:
– Ó de casa!
Ninguém respondeu. Os urubus do telhado, espantados, bateram asas e voaram, rumorosamente. O eco repetiu ao longe a última sílaba do seu grito. Foi tudo. Empurrou a porta com a mão. As tábuas de umburana‑de‑espinho resistiram, guinchando. Meteu‑lhes, então, o ombro, retesou a musculatura de aço, num esforço, e arrombou os batentes, que se abriram com estrondo e ficaram estremecendo nas dobradiças desconjuntadas. Um bafo horrível veio do escuro copiar. O retirante recuou, aperrou a espingarda, num instintivo receio de qualquer surpresa, e penetrou na casa.
Formigas e moscas cobriam o cadáver dum cachorro magro, atravessado diante da porta. Os olhos logo se acostumaram à escuridão e descobriram, estirados ao pé das paredes de taipa, cobertos de trapos imundos, os corpos apodrecidos de três pequenas crianças, que deveriam ter morrido de fome.
Nada havia que fazer ali e o sertanejo ia retirar‑se, quando esbugalhou os olhos de horror. Da porta da camarinha saía uma mulher de pupilas afuzilantes, melenas caídas, ossos furando a pele terrosa, inteiramente nua, os peitos ressequidos tombando como pelhancas, brandindo na mão trêmula, comprida e afiada faca de vaqueiro! Dava pequenos saltos, rangendo os dentes como onça, o corpo sacudido por violentos estremerções, durante os quais parecia que os ossos chocalhavam! Verdadeiro monstro de fome, desespero e loucura! Fitou no homem estático os olhos de febre e fogo, rugindo entre gemidos roucos, a sacudir cabeça e grenha, a revolver o ar com a lâmina reluzente:
– Assassino! Assassino! Abandonaste‑me com os meus filhinhos, dizendo que ias buscar recursos na povoação. Eles morreram de fome e sede, coitadinhos! ...Desatou a soluçar. O velho ia dizer‑lhe qualquer coisa: explicar quem era e por que estava ali, consolá‑la, quando, novamente enfuriada, bradou:
– Eles morreram, pai miserável! Eu vou morrer de fome e sede como eles, mas, antes de morrer, vou matar‑te, para comer tua carne e beber teu sangue!...
Soltou um uivo formidável:
– Quero beber o teu sangue!
O Domingos, encostado à parede, arma engatilhada na mão, suava frio e tremia de horror. Ela deu um pulo maior para ele, fitando‑o com as dilatadas pupilas febris. O caboclo vacilou, como se a casa lhe andasse à roda. A lâmina luziu a dois passos do seu pescoço. Apertou com as mãos geladas a fecharia da lazarina. Insensivelmente, encostou o cano ao peito da sinistra mulher e um tiro quebrou o silêncio imenso do sertão!
A Louca caiu, abrindo os braços, escabujou no chão alguns momentos e logo se inteiriçou. E ele, largando a espingarda, fugiu pela porta escancarada, na carreira...
PASSEIO COM MILTON DIAS

Carlos Vazconcelos

Foi numa manhã nublada de sábado. Havia chovido durante boa parte da noite e o clima estava ameno. Às oito horas toquei a campainha do número 230 da Coronel Ferraz e ouvi lá de dentro um tô pronto! amigável. Era a voz de Milton Dias. D. Iracema, sua mãe, que morava na casa vizinha, vinha saindo e me recebeu com um sorriso tão doce quanto as guloseimas que sabia preparar. Ele veio de lá, barbeado, elegante, a exalar cheiro de colônia francesa. Aproveitando o aperto de mão, num só gesto, puxou-me para a poltrona da sala comunicando que voltaria em um minuto.
Ali sentado, contemplando os quadros, o bom-gosto dos apetrechos da casa simples, mas aconchegante, foi que percebi que me encontrava na sala onde tantas pessoas importantes haviam sido recepcionadas, auditório de tantos bate-papos, de tanta prosa curiosa e divertida.
Por aquela pequena fração do planeta havia passado ninguém menos que Jorge Amado, Jean Paul-Sartre e Simone de Beauvoir. Aquelas paredes serenas testemunharam a prosa inteligente de um Moreira Campos, de um Antonio Girão Barroso, de um Lustosa da Costa...
Sábado é o dia preferido de Milton Dias para as prazerosas rondas pelas livrarias e sebos do Centro. E naquela manhã, eu teria o privilégio de acompanhá-lo.
As árvores frondosas que torneiam a Escola Normal estavam repletas de vida e os passarinhos (talvez os bisavós ou tataravós destes que vejo hoje) estavam mais festivos do que nunca, alvissareiros, trabalhando e cantando como o carreteiro de brim azul que hoje passa, rumo à Governador Sampaio, empurrando seu carrinho e assobiando um samba romântico. Esse não se deixou engolir pelas agruras modernas.
Saímos a pé. Começamos nossa andança pela Rua dos Pocinhos. Na esquina ele parou, olhou para os lados, para cima (como quem examina se vai chover), observou o movimento em volta, fez uma cara de resignação e comentou: Esta ex-tranqüila Rua Coronel Ferraz aos poucos vai nos despejando. Tocamos em frente. Ele preferiu dispensar seu fusquinha, alegando não existirem mais estacionamentos na cidade e deu-me a primeira lição: Você já experimentou andar pelas ruas de sua cidade com olhos de turista? E me ensinou a examinar as platibandas, a pescar as últimas balaustradas que ainda existem, a imaginar o que havia no lugar daquela loja que vai emergindo dos escombros de outro tempo, alavancada pela força do dinheiro que ergue e destrói coisas belas.
Cruzamos a Governador Sampaio, a Sena Madureira, a Rua do Rosário. No percurso, um aceno, outro aceno, um leitor o cumprimentou pela crônica do dia anterior, duas estudantes pediram autógrafo, um conhecido quis um dedo de prosa. Seus olhos sempre atentos perscrutavam. Os detalhes da cidade lhe faziam bem. Disto colhia matéria-prima para as suas crônicas.
Alcançamos a Praça do Ferreira, o ponto por ele mais amado. Lamentou a falta dos quiosques em cada esquina, entre eles o Café Java, o desaparecimento dos cinemas Moderno e Majestic e a saudade dos bondes sonolentos gemendo em cima do trilho. Fomos direto ao Leão do Sul. Entre um caldo de cano e um pastel ele me disse: Para conhecer bem qualquer cidade do mundo, é preciso andar de ônibus, ir ao mercado, ao cais do porto, conversar com o garçom, o barbeiro, o engraxate, o ascensorista. Assim você terá uma média do que pensa o povo dessa cidade, como ele vive, mora, sofre, come e trabalha. A questão é saber descobrir. Dizia tudo isso com naturalidade, sem ar professoral.
Entramos em duas livrarias. Ele comprou, se não me falha a memória, um dicionário de francês e o livro de um autor conterrâneo. Achamos, embaixo de um Benjamin, um daqueles bancos anatômicos da velha praça, tão lembrados em suas crônicas. Ali, ele fez uma concisa mas brilhante e regalada explanação sobre autores franceses, citando principalmente Proust, Victor Hugo e Sartre. De vez em quando algum conhecido o interrompia, cumprimentando-o efusivamente. A cabeça totalmente calva chamava a atenção.
O relógio da coluna bateu doze horas. Ele se apressou e, para minha surpresa, pois já estava dando por terminado nosso passeio, disse: Vamos, vamos que a D. Iracema já deve estar com o almoço em cima da mesa...
Em certa altura da caminhada de volta, quando o silêncio quis se instalar, como acontece nos primeiros encontros, disse, em tom brincante: Menino, eu venho dos verdes campos do Ipu, onde pontificava “a guerreira tribo da grande nação Tabajara”.
Não deixei por menos e emendei, usando o mesmo Alencar: E eu venho de Tianguá, que fica no topo daquela “serra que ainda azula no horizonte”, embora minha mãe não se chame Iracema. Seremos aparentados? Pois também sou Vasconcelos. Você do pé e eu do cabeço da Serra.
Ele sorriu largamente da minha astúcia e deu-me dois tapinhas nas costas: Somos, os três, conterrâneos.
Para depois do almoço estava reservada a última surpresa: a oportunidade de conhecer a sua rica biblioteca. Quando nos despedimos já eram quase dezesseis horas. À noite o cronista teria compromissos com os amigos e a Sra. Boemia. Autografou-me o livro Cartas sem Respostas e eu, não podendo ser recíproco, entreguei-lhe um calhamaço, fruto da minha pena sofrível, que ele prometera ler e responder. Estava alinhavada uma amizade que só terminaria com a sua morte, numa manhã de 22 de março de 1983.
No dia seguinte, os jornais choravam em prosa e verso a perda dessa grande alma. Mas ele permanece vivo no coração dos amigos. Milton era um exímio palestrador. Quem duvidar que leia as páginas que ele nos legou, retratos fiéis de seu espírito iluminado.


Conversar com casas
Há uma sorte de conversa íntima que você só entretece com uma cidade. E me lembro de caminhar por Fortaleza entretecendo essa conversa horas a fio, um dia depois do outro.
Minha própria noção de Fortaleza é muito limitada. E ela se faz do Centro para leste, na direção do eixo conformado pelas principais ruas e avenidas que cortam a Aldeota Velha – como dizem, em definição perfeita, alguns office-boys.
Foi mais ou menos nesse espaço que vai da Praça do Ferreira à Rua Monsenhor Bruno – e da Antônio Sales para o mar – que mais me movi nos anos em que morei na cidade. E, aqui, sim, conheço mais ou menos de cor toda seqüência de ruas e o que há de mais interessante para ver nelas. E minha geografia se estende, com pequena expansão para os bairros do Benfica, Pici, as Praias de Iracema e do Futuro. Mas também aos novos bairros do Leste – que são, no entanto e de todo, os menos interessantes, pelo menos para mim, à exceção da Cidade dos Funcionários.
Alguém já disse que os locais, as casas, as ruas, os edifícios, as árvores, as esquinas, devolvem a atenção de um olhar. Se sentem em próprio estado de diálogo, de conversa, com o caminhante que lhes lança despretensiosamente os olhos. E é assim, exatamente, que costumo a caminhar – ou mesmo pedalar – por Fortaleza. Não só como exercício físico. Mas como exercício cívico. Tentando fisgar, em meio a prédios e casas, a história dessa cidade quase à prova de história.
Algumas velhas casas da região mais antiga da Aldeota, conheço como ninguém. Se acrescentaram um novo andar em improviso. Se retiraram do muro a graciosidade das colunatas antigas. Se revestiram de ladrilhos a fachada, como se fosse um lavabo – onde antes havia um discreto chapisco cinza. Se desfiguraram de vez a forte eloquência, de sobriedade e calma, que as linhas de uma velha fachada nos repassam. Se aterraram um canteiro onde havia grama e espirradeiras. Tudo isso posso perceber de prima. Pois essas casas parecem reclamar, gemer quando qualquer dessas contrafações é cometida contra sua bela integridade de testemunho. Seu poder de evocação, quase epifânico, é o mesmo de certas velhas canções. Ou quase o mesmo de uns poucos perfumes raros, e que nos datam o tempo com digital precisão interior.
Conheço de certas ruas, cada casa, um tanto como se elas, e não seus donos, fossem os vizinhos. E me exaspera um bocado saber que estão construindo um segundo pavimento improvisado sobre aquela marquise. Ou o que é pior, a fachada será maquilada com lambris para a instalação de um consultório, um escritório de engenharia, uma locadora de vídeos, um salão de beleza, um centro de fisicultura. Por que a necessidade desses estúpidos lambris?
Porém, ao mesmo tempo, alguns dos sítios mais impressionantes são casas demolidas. Digo melhor, parcialmente demolidas, justo na etapa em que elas ainda resguardam o assoalho e um certo vestígio de divisão, do que um dia foram paredes. Espécie de maquetes vazadas, plantas baixas ao vivo e literalmente. Espectros do que foram nos muitos anos em que habitadas por duas ou três gerações. Fortaleza não suporta mais que esse lapso.A virtual ausência de planejamento urbano aliada à ganância e ao poder manipulador das grandes construtoras degradaram a cidade ao extremo nos últimos vinte e poucos anos. E, se nesses mesmos vinte e poucos anos, se houvesse preservado a melhor parte das belas residências da Aldeota Velha e do Bairro de Fátima teríamos simplesmente uma razão a mais de auto-estima.Se pode até entender que muitos fatores entraram em conjunção para provocar esse desastre urbano. Mas não se pode perdoar o afã de modificar as características essenciais dos prédios e casas, deformando-os por completo, apenas em nome de ridículos caprichos pessoais ou efêmeras demonstrações novas-ricas de status. Ou mesmo de partições de herança. Deveria haver uma legislação forte e que cuidasse efetivamente disso. Mas se o fenômeno se dá a reboque de razões eminentemente econômicas, essas distorções poderiam ao menos ser atenuadas houvessse um verniz mínimo de planejamento, pois basta passar os olhos por fotos antigas para perceber que já houve mais amenidade em nosso circuito urbano.
É possível pensar, nesse ritmo, no próprio esvaziamento de funções que a casa de classe-média sofreu em Fortaleza nos últimos vinte e poucos anos. A casa não é mais um local para receber. Os encontros foram deslocados para os restaurantes e lobbies de hotéis e shoppings. Já os aniversários – especialmente os infantis – assim como os grandes eventos familiares – casamentos, bodas, batizados, etc. – foram cada vez mais transferidos de casa para os bifês. Ou se dão no salão de festas do condomínio quando casa não mais há. Bem como também, em termos de lazer, as quadras domésticas de esporte e áreas afins perderam sua importância em prol inicialmente dos clubes e raros parques e praças praticáveis; e, mais recentemente para as escolas, os centros de fisicultura e os condomínios. Além disso, as famílias de classe-média não possuíam tantos carros trinta anos atrás. E assim havia mais orçamento disponível para se gastar no zelo do imóvel. E mais espaço no imóvel para abrigar o zelo do corpo.
O excesso de carros nas ruas estreitas da cidade é, aliás, um dos fatores que contribuíram decisivamente para que Fortaleza perdesse muito do charme, algo ibérico, que ainda possuía na década de 70. Quase ninguém caminha ou anda de bicicleta por Fortaleza. Às vezes, percursos mínimos são ostensivamente perfeitos sempre de carro. E há mesmo o ridículo do número de automóveis que se aglomera diariamente, de manhã bem cedo, à Beira-Mar. E esses veículos levam aqueles que vão... caminhar. Quer dizer, para se caminhar em Fortaleza se usa... o carro.Isso dá o que pensar. Não seria mais prudente, cívico, e muito mais ecológico passear a pé pelas imediações de casa? E isso até serviria para fortalecer laços de vizinhança e solidariedade. Já que famílias inteiras, amigos e vizinhos estariam nas ruas de manhã cedo e passando pelos espaços onde, de fato, moram. Podendo eventualmente observar e zelar pelos equipamentos públicos e até conhecer-se melhor e se organizar no sentido de apurar a qualidade de vida de seu pedaço de cidade, bem como reocupar coletivamente uma rua cuja insegurança também brota da falta de pedestres. E isso não é nenhuma utopia. E é bem fácil de atingir. Bastava que houvesse políticas públicas que incentivassem a prática de caminhadas e passeios de bicicleta em volta da vizinhança. Mas também que todos aqueles que tivessem condição ou disposição para se deslocar a seu local de trabalho de bicicleta ou a pé, o pudessem fazer, e em condições razoáveis de segurança e conforto pessoal.
Admiramos Amsterdã pelo número de ciclistas que se deslocam pela cidade, acrescendo-lhe o charme típico de uma urbe tranqüila e de alta qualidade de vida. E mal nos damos conta de que vivemos numa cidade plana. E que bastaria exclusivisar algumas vias somente para bicicletas – além de excessionar apenas aos moradores, o tráfego de veículos em baixa velocidade nessa vias – para, então, a curto prazo, atingir patamares de qualidade de vida bem mais expressivos e dignos. Inclusive por uma maior desobstução das vias de tráfego, bem como por certa desvalorização simbólica do automóvel. Fácil entender que esculpir uma cidade é uma tarefa essencialmente do olhar. Inclusive no que diz respeito à sua poluição visual.E tudo isso é tarefa do estado, claro (até hoje me recuso a escrever estado com maiúscula). Mas, por igual, deveria passar pela boa-vontade e pela consciência e cooperação de cada cidadão de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Cada um sabendo de seus potenciais em contribuição para atingir tais metas.
Voltando às velhas casas, há mesmo uma que resume para mim esse elo entre paisagem, história e integridade. Se não me falha a memória, depois de quase cinco anos morando fora de Fortaleza, ela fica na Antônio Augusto. No próprio quarteirão que antecede a Santos Dumont, sentido sertão-praia.
Não é nada opulenta. Poderia passar despercebida para a maioria. Sequer possui um segundo andar ou um vasto jardim gramado à frente. Mas há algo nela que é realmente encantador. Essa residência, hoje ilhada em meio a clínicas, escolas infantis, salões de beleza, concentra toda um estilo de fracionar espaços que me atrai de algum modo. Algo da ruralidade das casas de chácara no bairro do Outeiro – o antigo nome de parte da Aldeota – de que nos falam autores como Herman Lima.
Há essas estreitas janelas. Geralmente ocupando, em trípitico, o espaço que poderia ser preenchido por um só, desgracioso, janelão. Estreitas janelas guarnecidas por venezianas, naturalmente. Estão à esquerda, na fração da casa que avança em bloco sobre o pequeno vão de jardim, que a precede. Há um alpendre em L, que se estende por todo flanco direito. E nele se pode entrever o móvel conforto de redes avarandadas. Há também esse jardim lateral, contíguo à ala direita do alpendre. Esguio e bastante fechado por diversas árvores, ao modo dos antigos caramanchões. Vertendo sombra e conforto para uma faina doméstica e sem fim.
Me espanta um pouco o tanto que há de história naquela casa. Não conheço seus donos. E nunca parei para tomar qualquer informação a respeito dela. Mas, a cada ocasião em que, nas minhas caminhadas, passo em frente a ela, sinto o quanto ela convoca meu olhar. Posso intuir, secretamente, seu misterioso poder de passado e dignidade. A eloquência do que ela testemunhou ao longo de tantos anos. Há uma outra casa assim, só que infinitamente mais triste, numa dobra de esquina, por trás da Escola Normal.
Sei que muito do que toco neste texto são apenas reclamos, e que mal serão ouvidos. E é um pouco inútil chorar o leite derramado. As casas e as edificações que foram postas abaixo ou desfiguradas não vão renascer de seus alicerces. Elas foram derrubadas para sempre. Ou desfiguradas sem remissão.
Mas, desde sempre, para minhas próprias palavras – em meus livros, contos, poemas, letras de música – quero criar um espaço semelhante ao delas. Quero que minhas palavras se organizem dentro dessas densas formas da história. Dentro dessas estreitas janelas, dessas móveis venezianas; desses alpendres laterais vazados para o trabalho dos dias e o brinquedo das noites; dessas redes com varandas; desses caramanchões e latadas. Em certo sentido, sempre dentro dessa perspectiva de sítio ou chácara, pendendo para rua. Algo que indica a própria motivação inicial do bairro em que, por primeiro, residi em Fortaleza. Algo que está nas fachadas e no grau de testemunho e companhia dessas velhas casas, a nos ensinar um caminho mais íntegro. Ou mesmo algo mais lúcido sobre nós próprios e nossa integridade e história enquanto povo.
E, então, quem sabe, essas casas e essas palavras nos possam, de novo, nos indicar um futuro mais liberto de ganância ou lucro fácil.